19 de fev. de 2010

Das coisas que são visíveis e de onde elas estão


 A alguns quilômetros adiante do ponto em que se encontrava, o jovem atleta viu um barraco de sapé.

Cosme já vai pelos setenta. A idade lançou âncora, e o andarilho firmou residência naquele barraco de sapé, a beira de uma estrada. O dono da fazenda jamais se importou, pelo contrário; dada a simpatia do errante que aportara ali.

Recebia visitas esporádicas de gente que passava pela estrada pedindo água, ou que procurava direção para alguma localidade. Uma dessas visitas era um ciclista, desgarrado do grupo de amigos e relativamente desorientado naquele mar de estradas de terra e verde a perder de vista.

Aproximando-se do cercado, percebeu o velho e solicitou ajuda, pedindo indicação de para onde deveria ir.

- Minutinho... já lhe mostro, respondeu Cosme.

E levantou-se vagarosamente, apanhando o cajado com o qual tateou o caminho até o visitante. Fitou o visitante e apontou um sorriso desprovido de dentes, mas expressivo. É pra lá.

Mesmo sem saber porque, o visitante pediu água. O velho indicou a porteirinha e recebeu o jovem, guiando-o vagarosamente até a lateral do barracão, onde a bica serviria para saciar o sedento ciclista.

- Pode ir, filho. Fica perto do jardim.

O ciclista não poderia deixar de notar. Não havia jardim, flores ou qualquer coisa do gênero. Só relva.

O velho antecipou.

- Sei. Não tem jardim. Me desculpe.

- Não tem problema... mas por que?

O velho voltou a sua posição inicial e explicou.

- Sou eu quem vê o jardim, filho. Assim como vejo os girassóis, que não estão aí. Ou talvez veja meus netos brincando aqui na frente da casa, mesmo sabendo que não estão, que nem mesmo existem. É como eu vejo o dia, a noite... eu vejo o que quero, filho. Rego a relva como se regasse um jardim, cuido das crianças como se elas estivessem mesmo ali. Quando a gente quer, filho, a gente vê tudo. Vê até a vida. Vê o que é e o que não é, o que há e o que não há. Quantas vezes na vida vimos o que não era, entendemos errado ou achamos que estava diante de nós algo que jamais esteve? Eu agora vejo o que quero, quando quero. Já vi de tudo nessa vida, e quando quero ver algo, basta puxar aqui, ó... da memória. Puxo as coisas boas, e o resto seja do jeito que Deus quiser.

O ciclista se despediu pensativo, depois de agradecer.

O velho, que não via palmo a frente do nariz, viu um nobre cavaleiro deixando seu castelo, após uma cordial visita.

A alguns quilômetros dali, o jovem atleta olhou para trás.

E viu um castelo.


P.S.: Esse post foi roubado do blog do meu Amigo André!

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